Milagres ocorrerão
Antes que essa poesia chegue ao fim.
Antes que essa poesia chegue ao fim.
No corpo da prostituta
Que se sentia nua
Embora vestida
A passos largos pela rua
O barulho de seus saltos
Se combinava com o de sua respiração
Ofegante e de assaltos
Quantos homens ali passaram?
Naquele corpo?
Naquela rua?
Naquela mulher nua?
No corpo daquela prostituta
Como uma lâmina
A riscar seu ventre
Sem derramar sangue;
Mas no seu corpo
Como também na cidade
Refletida em seus olhos cansados
Estava a noite
Que já sem forças
Sentia as dores do parto
Já eram distinguíveis
Os gritos do dia
Que nascia
Só aquela prostituta
Na rua, nua
Via.
O dia nascia
Com uma força que parecia
Redimir os pecados do mundo inteiro
Só aquela prostituta não recebia perdão
E ela bem sabia
O dia nascia
Só ela via
A passos largos
Uma mulher nua
Na rua.
Ao cumprir uma certeza
O filho nasceu matando a mãe
Assim as trevas se dissipam
Com o despertar da luz
Da noite só lhe restou memórias teimosas
E uma dor de cabeça
Que não se resolvia com aspirinas
A prostituta
Agora de fato nua
Longe da rua
Num pequeno apartamento
Calada
Tentava dormir
Mas, a cidade berrava.
Tentava dormir
Mas, a cidade berrava.
A cidade berrava
Os automóveis gemiam
Os parafusos cochichavam
As antenas dedilhavam
O concreto falava
Os signos, as letras, os números, os verbetes
Explodiam na atmosfera cinzenta, poluída e tóxica
Nada estancava
Era impossível dormir.
Chaminés fumavam enlouquecidamente
Fumaça negra que matava o dia que mal nascera
A ardência do fedor de carne queimada
Entorpecia a todos
Só assim
Embriagada
A prostituta conseguia dormir.
Salve A poesia do Real!!!
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