sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

As dores do parto

Será possível uma nova linguagem poética
Usando palavras velhas?
Como distinguir as cores vivas
Se encontras cego?
Ouça
Se pelo menos podes ouvir
Ouça!
Estão gemendo
São as dores do parto.
 
O país geme
As dores de um parto que não termina
Os liberais cochicham
Apavorados
Porque não esperavam
A ressurreição dos mortos.
 
Nomes em dossiês
Vidas que mesmo aleatórias
Se confundem de forma lógica
Na queda livre
Do que é o viver
Agora o meu sangue suja tudo
Molhando as notícias
Todos me cancelam
Só eu não consigo me cancelar.
 
O país geme
As dores do parto
Ouça.
 
Esta poesia só será publicada
Nesta editora
Se as partes que falam da vida real
Forem omitidas
Quem lê poesia não está preocupado com a vida real
Olha como a sociedade brasileira está em convulsão
Isso não dá dinheiro
O livro não é gratuito
Você precisa se adequar às normas da editora.
 
O país geme
São as dores do parto
Numa terra sem leis e sem letras
O matar e o morrer
Tomam todas as manchetes
Todas as conversas
Todo o dia
Não sobra tempo
Para escrever
Poesias.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Story

Isso foi escrito em um story do Whatsapp:

Minha mãe morreu.
Foi de repente.
O velório vai ser rápido
por causa da pandemia.
Eu estou bem,
só um pouco
assustado.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Salvia Divinorum

Depois de fingir
Amor e gozo
Acabou usufruindo sozinha
E calada
A penetrar a si mesma
Debaixo da água quente
Que um chuveiro velho duchava
Salvia Divinorum
Sempre estava nua
Com as peras ao vento
Mas nos últimos anos
Tem depilado
A vulva
Fumava um cigarro falsificado
Ao mirar as couves e as mostardas
Sempre se perguntava
Qual é a cor
Das folhas de arruda?

Salvia Divinorum
Tinha homens e mulheres
Que lhe chupavam os pés
Porque não há nada mais sexual
Do que os pés
Do que as mãos e as nucas
Os olhos, boca, mamilos
Sabe de uma coisa
Quando termina
Parece a testosterona
Também lembra a cocaína
Mescla arrependimento
Com fuga.

Salvia Divinorum
Mesmo muito cansada depois
De colar um papel de parede estranho
Que parecia uma toalha de mesa
Como nas cozinhas fartas
Das casas do campo
Lia a tragédia grega
E misturava estupro e suicídio
Em pensamentos
Sem explicação
Não importava
O que ela oferecesse aos homens
Eles sempre preferiam
O mar.

Eles não a dichavaram muito
A fumaram
Em um espécie de cachimbo de água
Como um demônio
Salvia Divinorum
Derretia.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

A imundice e a megalomania

Já não sou eu
Que escrevo esta poesia
Vejo corpos
Descrevo corpos
Que ora sangram
Ora gemem de prazer
A poesia do gozo
Em pleno êxtase
Gemendo
Do falso gozo
Ejaculações sem esperma
Que jamais se comparariam com
O prazer e o gozo de uma mulher
Nua
Em lençóis
Enquanto lá fora
Na rua
Ou aqui dentro
Também na rua
Porque a rua é uma casa
Para muitos
Não somente para os miseráveis
Como também para aqueles
Que sempre vivem
Fugindo
Sobreviver em meio a guerra
O sangue de Abel ainda jorra
Aviões vomitam rosas
Bombas atômicas
Mas o tempo da guerra
Não havia passado?


Já não sou eu
Que vivo
São partes de mim
Que gritam
Diante do deus mais cruel
O silêncio absoluto
Da surdez elétrica
De mil micro
Auto-falantes
Contar o tempo
É a única maneira de sobreviver
Em um quarto escuro
O céu está
Caindo
Não olhe para trás
O Brasil contemporâneo
A arte contemporânea
A nudez
A música de Caetano Veloso
As ditaduras
A fome no Ocidente
A prosa
O avanço do HIV
A poesia de Mia Couto.

Já não sou eu
Que escrevo esta poesia
Mas ela transborda e rompe com força
Como um rio furioso
O sentido do ser
A vontade de algo
Que lembra o tudo
Em dias que só resta
O nada
Somos e não estamos
Sobreviver a própria vida
Nos faz humanos e desumanos
Porque somos o nosso próprio contrário
Atores abobalhados diante de uma platéia exigente
Bêbados chorosos
Prostitutas ácidas
Testemunhas do incompreensível
Partimos
Para o interior do mais imundo dos verbos
Deixem as palavras
Falarem por si mesmas
Já que a beleza sempre esconde
A imundice e a megalomania.


domingo, 29 de março de 2020

Cada pedaço

Cada pedaço de mim
A sangrar abertamente
Desmascarando minhas mentiras
Que se misturam
Às doses de álcool.
Há muito tempo
Venho me lembrando de ti
Nos lábios
À carne viva
Um céu azul cheio de luzes
Porque diferente de mim
Minhas palavras têm o poder de chegar
Mas a chegada é a consequência da partida
Eu parti
Mesmo partido
Mas não chego
Onde tanto almejo.

Cada pedaço de ti
Exalando pelas ruas vazias
Teu cheiro vem de todas as partes
Não é como o cheiro da maconha
Nem de perfume barato
Nem de mal hálito
Depois da bebedeira
Confundem meu olfato
Me perco em tua direção
Quando estou com putas
Rindo a beça
Esquecendo do mundo
Entre as pernas de mil mulheres
Me pego sentindo este teu maldito cheiro
Entretanto
Você não está ali
Você nunca esteve no silêncio
Tampouco no sol gritando
Meus pensamentos voam até você
Mas nunca te atingem
A vida nos separou
Não há culpados.

Cada pedaço de nós
Como a certeza mais cruel
Que o tempo pode oferecer
A vida que você carrega dentro de si
Que pulsa e transborda
Rio de correntezas violentas
Você também foi embora, mas depois voltou
Nos desencontramos
Nos transviamos
No palpitar das horas
Nos ângulos que os ponteiros vão formando
Na carne exposta às moscas.
O amor que eu carrego de mim
Me torna vivo
Mas não me faz lúcido
Sempre vejo o demônio entre cortinas
As mulheres que passam
Seus olhares me entortam
Os homens me ferem e fazem
Com que a minha poesia
Sempre fale de corpos ensanguentados
E você sempre está ali
E pergunta por mim.


sexta-feira, 12 de abril de 2019

Olhos de espelho

Nunca serei como eles
Além do que
Deles
Só sobraram os restos
Naquele instante parecia
Que a chuva caía devagar
Mas se tratava apenas
De nossa visão conturbada
Do mundo
Cujo cansaço
Desacelerava o tempo
O mal cheiro dos dias
Tem nos embriagado
Por isso 
Não reparamos
Que a vida e a morte
São a mesma pessoa
Não há melancolia nessas palavras
Porque as coisas passam
Com a mesma firmeza
Que emergem
Como também não há saudade nas cousas
Isso é coisa dos homens
Passa
Quando eles passam
A solidão sempre está acompanhada
Daqueles sentimentos
Tão grandes e cheios de encanto
Que nunca cabem
Em uma mesma pessoa
Fora do seu controle
Deixe-a germinar e reflorescer
Colado ao seu peito
Faça tudo como deve ser
É claro que Deus não está cego
Desde a criação da luz
Através da palavra
Ele nos mira com olhos de espelho.


terça-feira, 12 de março de 2019

Como poesias

Ao passar o batom
De cor vermelho vivo Via pelo espelho
As marcas roxas nos seios
Seios que nunca
Amamentaram
Não pensou no álcool
Apenas sentia
Sentia vontade de fumar cigarro
Depois pensava em alguma coisa
Tão longínqua
Como poesias
Uma mulher quando goza
Quantos gozos uma mulher merece?
Toda mulher
Traz o coração na garganta
Que bate Mulheres que
Quando gozam
Enxergam tudo branco
Do seu útero
Nasciam flores
Sua buceta tinha cheiro de vida
Ao cruzar as pernas
Acabava abafando os pensamentos
Ao apertar o meu pau
Com os dedos de seu pé.

sexta-feira, 13 de julho de 2018

Desnuda

Acordo cedo
Com cara de ontem
Vomitando desavenças
Respirando palavras tortas
Meninos tortos também têm seus dias
De podridão
Eu senti que meu caixão
Estava muito apertado
Então resolvi dá uma volta.

Eu me levanto
Com palavras de ontem
Eu faço a barba
Lavo a cara
Escovo os dentes
Fumo um baseado
Bato uma punheta
Debaixo da água quente
Perco os meios
Os termos
As conjunções
Você deveria tirar esses pontos finais
Substitui-los por vírgulas e conjunções
Depois de ejacular
Penso em sangue.

Eu escrevo poesias
Que não têm importância
O importante é o dia lá fora
Embora esteja nublado
E um pouco frio
Para ficar sem camisa
A novidade está na vida
Desnuda.

sábado, 5 de maio de 2018

Canibalismo

Façam o total silêncio
E deixe-o falar
Suas palavras dão liga
A algo que antes
Era somente o caos
Elas estão
Pela materialidade
Repare a cidade violenta
Toda pichada 
Cheia de lixo
Deixe as crianças correrem 
Deixe os velhos falarem
Ainda é cedo
Pra todo lugar que vou.

Deixe-o falar pelos famintos
Você não sente o perfume infalível 
Da fome?
Deixe a voz dele
Ecoar
Nos campos de milho transgênico 
Nas tardes quentes
Nas favelas
Nas palafitas 
Nos grandes centros
Nos lugares abandonados
No concreto
Nos campos de refugiados
Nos sonhos de moradores de rua
Dormindo na calçada
Entre jornais
Antes que cheguem os homens
Ou os catadores de papel.

Ele quer falar
Pela boca do povo
Depois todo mundo comia o corpo dele
Bebia o seu sangue
E repetia
Suas palavras.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Tertúlia dos Vales

"Oito poetas numa tertúlia, oito mundos de poesia e prosa, uma usina de letras, um garimpo de preciosas pedras-palavras, fábrica de versos carregados de água e terra, fogo e ar, tudo transpirando ouro, rico manancial de ideias num gostoso jeito de luta defendendo vidas, som de nascentes jorrando água, cheiro de corpos perfumando amores. Elas quatro e quatro eles: Marina, Isis, Vanessa, Cris, Sabiá Coitelinho, Rafael, Vinicius e Luiz. Oito belos movimentos de grandeza, em ritmo de criação, pulando de galho em galho, como palavras procurando ninhos" (Gonzaga Medeiros).

Tertúlia dos Vales


terça-feira, 3 de abril de 2018

Nos dias em que acordo sem remorsos

Nos dias em que acordo sem remorsos
Somente penso em sexo
Levanto
Com a rola na mão
Com os pensamentos
No específico
Em órgãos genitais
Nos pontos de prazer
Que existem
Espalhados
Pelo corpo
Você me disse
Que ejacular era um crime
Certos desejos sujos
Que não viram poesias
Tuas tatuagens
Não são poesia
O por do sol não é poesia
O que é poesia?

Você depilava a vulva
Eu fumava um cigarro
Contemplando-te
Então
Me lembrei de tuas palavras
Não fazia muito tempo
A poesia é uma ação calculada
Que existe a priori como uma ideia
No estado de devenir
De vir a ser
Mas que ainda não é
Não existe por si só
Depois se materializa;
Embora já existisse
Na forma de pensamento
É uma ação calculada
Toda poesia
É uma mentira bem contada.

A crueldade é uma invenção
Como o pudor
É uma consequência do pecado
Eles não percebiam a nudez
Até certo dia
Aqueles poetas bebiam vinho
Apesar de que um não bebia
Depois assassinaram
Um transeunte.

A cabeça desse cara nunca foi encontrada
Seu corpo
Foi deixado
Às margens do caminho
Não-poético.

sexta-feira, 9 de março de 2018

Enquanto as bruxas queimam

Trepando
Sem
Pudor
Enquanto as bruxas
Queimam
Não havia
Percepções sinceras
Não somos papel em branco
A ser preenchido
Somos papel amassado
Que nunca retorna
Ao estado inicial.

Sim, claro

Chupou meu
Pau
Sabia muito bem
Me excitar
Com sexo e com palavras
Você me tinha na mão
Numa mão de bisca
O que te inspirava
A escrever aquelas poesias?
Por que você matou
Aquele cara?

Fez duas carreiras de cocaína
Mas eu não quis
Você insistiu tanto
Como se fosse uma desfeita
Da minha parte
Continuei negando
De repente
Você começou a chupar
Meus mamilos
Depois cheirava
Minhas axilas
Beijava meu pescoço.

Você parou de fumar
Cigarros
Mas percebo
Que sua respiração não melhorou
Apesar de sua pele
Estar melhor
As novas palavras
Que você tanto busca
Estão por ai
Dormindo
Com moradores de rua
E prostitutas
Essas palavras são
Fumadas como pedra
Em latas de refrigerante.

Você me perguntou
Se eu era feliz
Lhe respondi
Sim
Claro.

Quinhão

Meu corpo
Em brasas
Com o relógio sem bateria
Sendo fumado
Como um baseado
Mas
Eu sempre perco as horas
Embora chegue cedo
Ao meu quinhão
A função do dia
É anoitecer
O destino dos homens
É entardecer
A sina do sol
E amanhecer.