sexta-feira, 20 de maio de 2022

Porque de mim

 Porque de mim
Já não resta dúvida
A verdade sob o sol
Nossa pele avermelhada
Desmentia-nos
De garganta seca
Te desejei
Enquanto bebias água
Te comia
Com os olhos
Eu te via
Gozar.

E você gozava
Com fúria e paixão
Ao furar meus olhos
Te vi desbotando o azul do céu
Te ouvi distorcendo palavras 
Pintando o sete
Construindo ídolos pagãos e religiões
Que você não tinha a disciplina necessária
Para cultuar e seguir
Eles se voltaram contra você
Vomitando rios de ácido
Chuvas ácidas
Aqui você está segura
Por enquanto.

A tarde fria de Juiz de Fora
Denunciava a nossa estupidez
O perigo estava em quadris 
Que nos pressionava por sexo
Sentir tesão era algo vergonhoso
Crianças abortadas choravam
Em latas de lixo
Eram almas muito sofridas
Sair pelo mundo é o mesmo que
Se fechar em si mesmo
A parte mínima reproduz o todo
As tardes mais lindas
Que já vi.

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Suor, sangue e pensamentos

A poesia escorre pelo meu corpo
Como suor
Que corrói o que sou
Minha idade
Minha face completamente molhada
Minhas roupas úmidas
Mãos encharcadas
Que acabaram por rasgar
Os papéis
Nos quais eu tentava escrever
Não era só eu
Ou a parte mais calma de mim
Acabei perdendo o fio da meada
Não me lembro mais daqueles versos.

A poesia circula dentro de mim
Como sangue
Acabei me cortando
Sujei o piso, a casa inteira
Não era sangue
Não era da cor de sangue
Eram versos duros
Que consumiam o tempo
Eram palavras de desordem
Cujo princípio
Contraditório
Gritava
Eram estrofes sem rima
Era a vida lá fora
Era apenas eu, ali
Alguma coisa no caminho
Era apenas eu
Ensanguentado.

A poesia pulsa dentro de mim
Como pensamentos incontroláveis
Na dor do parto
Nas questões mais incompreensíveis
A poesia tenta se libertar e nascer
Nada mais faz sentido
Tanta dor por qual motivo
Já não lembro o que pensava
Não importa
Ela falava por mim
Eu não me sentia envergonhado
Acordei de repente
Não me reconheci
Não reconheci o lugar onde estava
Sonâmbulo
Percebi assustado
Eu havia escrito 
Por toda a parede.

sexta-feira, 21 de maio de 2021

Minas Gerais

Pois é, Minas Gerais
Quando é pra bulir nos seus podres
Você geme como uma prostituta.

Quantos poemas ruins escrevi
Para descrever o limbo
E agora?
No meu coração lateja poesias indecentes
Mas guardo só pra mim
Aprendi com você:
Para ser sozinho
Há que aprender
A ser imenso.

O formato futurista 
Das montanhas que ainda não foram
Comidas
Há lagrimas de sangue
Saindo dos olhos dessas imagens
Quantos poetas mais
Você matará?

Nos cemitérios
Órfãos enterram suas mães
Será que há sinais de vida
Dentro de nós?
Olhe
Tudo está amarelo
Os ipês floriram mais cedo
O pôr-do-sol vermelho.

Ninguém tem pena
Dessas crianças?
Quem vai redimir seus pecados?
Eu tinha certeza
Que você encontraria respostas
Onde não esperava.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Criação

Falar do mais simples
Daquilo que é fundamento de tudo
No princípio
Havia o verbo
Tudo foi feito
A partir de conjugações
Mãos que moldam o universo
Cuja imagem e semelhança
Corroendo metais
Construindo aeronaves
Vomitam rosas
Atômicas.

O inevitável poderia ser óbvio
Mas nada é tão sensível
À luz do sol
O que nos aproxima
São os nossos defeitos
Isso nos faz tão próximos e parecidos
Ao contrário
Nossas qualidades
Nos diferenciam
Nos separam 
Ao contrário
Ser uma representação imperfeita
Do avesso
O que nos liga ao divino
São os nossos adjetivos.

A tarde caía tão calmamente
Que por um instante
Quase esquecemos do terror
A beleza nos chocava
Porque era possível escutar
Os gritos de guerra
Que chegavam como lágrimas
Através do tempo e do vento
Embora intensamente vivo
O Éden estava calado
Com uma triste e estranha
Sensação de segurança
Sabiam que ninguém era louco de verdade
Para queimar um jardim de soja. 




domingo, 3 de janeiro de 2021

Milagres

Milagres ocorrerão
Antes que essa poesia chegue ao fim.

No corpo da prostituta
Que se sentia nua
Embora vestida
A passos largos pela rua
O barulho de seus saltos
Se combinava com o de sua respiração
Ofegante e de assaltos
Quantos homens ali passaram?
Naquele corpo?
Naquela rua?
Naquela mulher nua?

No corpo daquela prostituta
Como uma lâmina
A riscar seu ventre
Sem derramar sangue;
Mas no seu corpo
Como também na cidade
Refletida em seus olhos cansados
Estava a noite 
Que já sem forças
Sentia as dores do parto
Já eram distinguíveis
Os gritos do dia
Que nascia
Só aquela prostituta 
Na rua, nua
Via.

O dia nascia
Com uma força que parecia
Redimir os pecados do mundo inteiro
Só aquela prostituta não recebia perdão
E ela bem sabia
O dia nascia
Só ela via
A passos largos
Uma mulher nua
Na rua.

Ao cumprir uma certeza
O filho nasceu matando a mãe
Assim as trevas se dissipam
Com o despertar da luz
Da noite só lhe restou memórias teimosas
E uma dor de cabeça 
Que não se resolvia com aspirinas
A prostituta
Agora de fato nua
Longe da rua
Num pequeno apartamento 
Calada
Tentava dormir
Mas, a cidade berrava.

A cidade berrava
Os automóveis gemiam
Os parafusos cochichavam 
As antenas dedilhavam
O concreto falava
Os signos, as letras, os números, os verbetes
Explodiam na atmosfera cinzenta, poluída e tóxica
Nada estancava
Era impossível dormir.

Chaminés fumavam enlouquecidamente
Fumaça negra que matava o dia que mal nascera
A ardência do fedor de carne queimada
Entorpecia a todos
Só assim
Embriagada
A prostituta conseguia dormir.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

As dores do parto

Será possível uma nova linguagem poética
Usando palavras velhas?
Como distinguir as cores vivas
Se encontras cego?
Ouça
Se pelo menos podes ouvir
Ouça!
Estão gemendo
São as dores do parto.
 
O país geme
As dores de um parto que não termina
Os liberais cochicham
Apavorados
Porque não esperavam
A ressurreição dos mortos.
 
Nomes em dossiês
Vidas que mesmo aleatórias
Se confundem de forma lógica
Na queda livre
Do que é o viver
Agora o meu sangue suja tudo
Molhando as notícias
Todos me cancelam
Só eu não consigo me cancelar.
 
O país geme
As dores do parto
Ouça.
 
Esta poesia só será publicada
Nesta editora
Se as partes que falam da vida real
Forem omitidas
Quem lê poesia não está preocupado com a vida real
Olha como a sociedade brasileira está em convulsão
Isso não dá dinheiro
O livro não é gratuito
Você precisa se adequar às normas da editora.
 
O país geme
São as dores do parto
Numa terra sem leis e sem letras
O matar e o morrer
Tomam todas as manchetes
Todas as conversas
Todo o dia
Não sobra tempo
Para escrever
Poesias.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Story

Isso foi escrito em um story do Whatsapp:

Minha mãe morreu.
Foi de repente.
O velório vai ser rápido
por causa da pandemia.
Eu estou bem,
só um pouco
assustado.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Salvia Divinorum

Depois de fingir
Amor e gozo
Acabou usufruindo sozinha
E calada
A penetrar a si mesma
Debaixo da água quente
Que um chuveiro velho duchava
Salvia Divinorum
Sempre estava nua
Com as peras ao vento
Mas nos últimos anos
Tem depilado
A vulva
Fumava um cigarro falsificado
Ao mirar as couves e as mostardas
Sempre se perguntava
Qual é a cor
Das folhas de arruda?

Salvia Divinorum
Tinha homens e mulheres
Que lhe chupavam os pés
Porque não há nada mais sexual
Do que os pés
Do que as mãos e as nucas
Os olhos, boca, mamilos
Sabe de uma coisa
Quando termina
Parece a testosterona
Também lembra a cocaína
Mescla arrependimento
Com fuga.

Salvia Divinorum
Mesmo muito cansada depois
De colar um papel de parede estranho
Que parecia uma toalha de mesa
Como nas cozinhas fartas
Das casas do campo
Lia a tragédia grega
E misturava estupro e suicídio
Em pensamentos
Sem explicação
Não importava
O que ela oferecesse aos homens
Eles sempre preferiam
O mar.

Eles não a dichavaram muito
A fumaram
Em um espécie de cachimbo de água
Como um demônio
Salvia Divinorum
Derretia.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

A imundice e a megalomania

Já não sou eu
Que escrevo esta poesia
Vejo corpos
Descrevo corpos
Que ora sangram
Ora gemem de prazer
A poesia do gozo
Em pleno êxtase
Gemendo
Do falso gozo
Ejaculações sem esperma
Que jamais se comparariam com
O prazer e o gozo de uma mulher
Nua
Em lençóis
Enquanto lá fora
Na rua
Ou aqui dentro
Também na rua
Porque a rua é uma casa
Para muitos
Não somente para os miseráveis
Como também para aqueles
Que sempre vivem
Fugindo
Sobreviver em meio a guerra
O sangue de Abel ainda jorra
Aviões vomitam rosas
Bombas atômicas
Mas o tempo da guerra
Não havia passado?


Já não sou eu
Que vivo
São partes de mim
Que gritam
Diante do deus mais cruel
O silêncio absoluto
Da surdez elétrica
De mil micro
Auto-falantes
Contar o tempo
É a única maneira de sobreviver
Em um quarto escuro
O céu está
Caindo
Não olhe para trás
O Brasil contemporâneo
A arte contemporânea
A nudez
A música de Caetano Veloso
As ditaduras
A fome no Ocidente
A prosa
O avanço do HIV
A poesia de Mia Couto.

Já não sou eu
Que escrevo esta poesia
Mas ela transborda e rompe com força
Como um rio furioso
O sentido do ser
A vontade de algo
Que lembra o tudo
Em dias que só resta
O nada
Somos e não estamos
Sobreviver a própria vida
Nos faz humanos e desumanos
Porque somos o nosso próprio contrário
Atores abobalhados diante de uma platéia exigente
Bêbados chorosos
Prostitutas ácidas
Testemunhas do incompreensível
Partimos
Para o interior do mais imundo dos verbos
Deixem as palavras
Falarem por si mesmas
Já que a beleza sempre esconde
A imundice e a megalomania.


domingo, 29 de março de 2020

Cada pedaço

Cada pedaço de mim
A sangrar abertamente
Desmascarando minhas mentiras
Que se misturam
Às doses de álcool.
Há muito tempo
Venho me lembrando de ti
Nos lábios
À carne viva
Um céu azul cheio de luzes
Porque diferente de mim
Minhas palavras têm o poder de chegar
Mas a chegada é a consequência da partida
Eu parti
Mesmo partido
Mas não chego
Onde tanto almejo.

Cada pedaço de ti
Exalando pelas ruas vazias
Teu cheiro vem de todas as partes
Não é como o cheiro da maconha
Nem de perfume barato
Nem de mal hálito
Depois da bebedeira
Confundem meu olfato
Me perco em tua direção
Quando estou com putas
Rindo a beça
Esquecendo do mundo
Entre as pernas de mil mulheres
Me pego sentindo este teu maldito cheiro
Entretanto
Você não está ali
Você nunca esteve no silêncio
Tampouco no sol gritando
Meus pensamentos voam até você
Mas nunca te atingem
A vida nos separou
Não há culpados.

Cada pedaço de nós
Como a certeza mais cruel
Que o tempo pode oferecer
A vida que você carrega dentro de si
Que pulsa e transborda
Rio de correntezas violentas
Você também foi embora, mas depois voltou
Nos desencontramos
Nos transviamos
No palpitar das horas
Nos ângulos que os ponteiros vão formando
Na carne exposta às moscas.
O amor que eu carrego de mim
Me torna vivo
Mas não me faz lúcido
Sempre vejo o demônio entre cortinas
As mulheres que passam
Seus olhares me entortam
Os homens me ferem e fazem
Com que a minha poesia
Sempre fale de corpos ensanguentados
E você sempre está ali
E pergunta por mim.


sexta-feira, 12 de abril de 2019

Olhos de espelho

Nunca serei como eles
Além do que
Deles
Só sobraram os restos
Naquele instante parecia
Que a chuva caía devagar
Mas se tratava apenas
De nossa visão conturbada
Do mundo
Cujo cansaço
Desacelerava o tempo
O mal cheiro dos dias
Tem nos embriagado
Por isso 
Não reparamos
Que a vida e a morte
São a mesma pessoa
Não há melancolia nessas palavras
Porque as coisas passam
Com a mesma firmeza
Que emergem
Como também não há saudade nas cousas
Isso é coisa dos homens
Passa
Quando eles passam
A solidão sempre está acompanhada
Daqueles sentimentos
Tão grandes e cheios de encanto
Que nunca cabem
Em uma mesma pessoa
Fora do seu controle
Deixe-a germinar e reflorescer
Colado ao seu peito
Faça tudo como deve ser
É claro que Deus não está cego
Desde a criação da luz
Através da palavra
Ele nos mira com olhos de espelho.


terça-feira, 12 de março de 2019

Como poesias

Ao passar o batom
De cor vermelho vivo Via pelo espelho
As marcas roxas nos seios
Seios que nunca
Amamentaram
Não pensou no álcool
Apenas sentia
Sentia vontade de fumar cigarro
Depois pensava em alguma coisa
Tão longínqua
Como poesias
Uma mulher quando goza
Quantos gozos uma mulher merece?
Toda mulher
Traz o coração na garganta
Que bate Mulheres que
Quando gozam
Enxergam tudo branco
Do seu útero
Nasciam flores
Sua buceta tinha cheiro de vida
Ao cruzar as pernas
Acabava abafando os pensamentos
Ao apertar o meu pau
Com os dedos de seu pé.

sexta-feira, 13 de julho de 2018

Desnuda

Acordo cedo
Com cara de ontem
Vomitando desavenças
Respirando palavras tortas
Meninos tortos também têm seus dias
De podridão
Eu senti que meu caixão
Estava muito apertado
Então resolvi dá uma volta.

Eu me levanto
Com palavras de ontem
Eu faço a barba
Lavo a cara
Escovo os dentes
Fumo um baseado
Bato uma punheta
Debaixo da água quente
Perco os meios
Os termos
As conjunções
Você deveria tirar esses pontos finais
Substitui-los por vírgulas e conjunções
Depois de ejacular
Penso em sangue.

Eu escrevo poesias
Que não têm importância
O importante é o dia lá fora
Embora esteja nublado
E um pouco frio
Para ficar sem camisa
A novidade está na vida
Desnuda.

sábado, 5 de maio de 2018

Canibalismo

Façam o total silêncio
E deixe-o falar
Suas palavras dão liga
A algo que antes
Era somente o caos
Elas estão
Pela materialidade
Repare a cidade violenta
Toda pichada 
Cheia de lixo
Deixe as crianças correrem 
Deixe os velhos falarem
Ainda é cedo
Pra todo lugar que vou.

Deixe-o falar pelos famintos
Você não sente o perfume infalível 
Da fome?
Deixe a voz dele
Ecoar
Nos campos de milho transgênico 
Nas tardes quentes
Nas favelas
Nas palafitas 
Nos grandes centros
Nos lugares abandonados
No concreto
Nos campos de refugiados
Nos sonhos de moradores de rua
Dormindo na calçada
Entre jornais
Antes que cheguem os homens
Ou os catadores de papel.

Ele quer falar
Pela boca do povo
Depois todo mundo comia o corpo dele
Bebia o seu sangue
E repetia
Suas palavras.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Tertúlia dos Vales

"Oito poetas numa tertúlia, oito mundos de poesia e prosa, uma usina de letras, um garimpo de preciosas pedras-palavras, fábrica de versos carregados de água e terra, fogo e ar, tudo transpirando ouro, rico manancial de ideias num gostoso jeito de luta defendendo vidas, som de nascentes jorrando água, cheiro de corpos perfumando amores. Elas quatro e quatro eles: Marina, Isis, Vanessa, Cris, Sabiá Coitelinho, Rafael, Vinicius e Luiz. Oito belos movimentos de grandeza, em ritmo de criação, pulando de galho em galho, como palavras procurando ninhos" (Gonzaga Medeiros).