quinta-feira, 22 de junho de 2017

Os mais grosseiros

Lembra quando a gente gozava
Bebendo água
Nas próprias mãos
Amar é somente uma fonte que jorra
Incessantemente
Uma correnteza impiedosa e incontrolável
Nós também temos sido
Correntezas sem direção
Aquilo que pulsa
Em algumas carnes
Que já não estão mais tão frescas
A fragilidade alheia
É sempre incompreensível
Visto que
As lágrimas são cômicas
Para aqueles que não sentem um sentimento tão raro
Que agora nem lembro o nome
Normalmente
São os mais grosseiros
Os mais sensíveis.

Lembra quando a gente gozava
Bebendo água
Nas nossas próprias mãos
Como se sede e tesão
Fossem sinônimos
Não faz muito tempo
Eu também ouvi alguém
Usando as palavras
Ideologia, utopia e esperança
Como sinônimas.

Lembra quando a gente gozava
Bebendo água
Nas nossas próprias mãos.


domingo, 18 de junho de 2017

O contemporâneo e nós

Quando se está cansado
De dar murros em ponta de faca
Nos raros episódios
Onde a verdade burguesa não aprisiona
Nenhuma semente
Germinará
Em uma terra como essa
Cada parte de seu corpo
Como uma corça sedenta
Onde antes eram totalidades
Categorias que absorviam
Tudo que havia de cartesiano
Entre o tempo e o espaço
Lembra que eu te disse
"De intelectual
A única coisa que você tem
É a arrogância e o ego".

A contradição na palma das mãos
No seu rosto
Dos seus lábios
Cabelos, joelhos, cotovelos
Das suas unhas recém cortadas
Dos pelos
Da virilha
Que transpira de suas axilas
Que para o tempo e o espaço.

Nenhuma semente
Germinará
Em uma terra como essa
Já que você se acostumou tanto
Com palavras doces
Mas que são como fel
Ao chegarem no estômago.

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Enganos

A poesia é o meu engano
Meu coração sempre dói
Quando esbarro
Com aquelas quase-crianças
Sem narizes
Que aparecem em meus pesadelos
A poesia
É um engano.

A vida é o meu engano
Já que o seu lado efêmero
Não passa de uma melodia breve
Mas se é para repetir
Enganos
Volto na poesia
Para reafirmar
O inevitável
A vida
É um engano.

O amor é o meu engano
Eu queria não pensar
Mais em você
Agora que o tempo rompe
Sem pressa
As metáforas e a lucidez
Da vida
Isso eu não aprendi me vendendo
Muito menos
Naquelas orgias
O amor
É um engano.

O desejo é o meu engano
Uma maçã de isopor
Nenhum sonho se realiza
Numa terra de sonâmbulos
Por favor
Não gaste um curto vocabulário
Com insensatas vontades
O desejo
É um engano.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Foi assim que eu vi

Nas ruas estupradas da cidade suicida
Cheias de lixo espalhado nas calçadas
Com a vida tomada
Pelas moscas
A feder feito
Um sepulcro caiado
Somente naqueles instantes
Carregados de uma sensação
Rara
Foi assim
Que eu vi.

Depois de bater um boquete
Aquela prostituta estava destruída
Com o corpo exausto
Com o rosto deformado
Por apanhar e também
Porque estava naquele estado
De hedonismo
Com o hálito de dentes
Que apodreciam
Fumava desesperadamente
Algumas pedras de cor amarela
Numa lata de refrigerantes
Foi assim
Que eu vi.

Sabemos que o maior problema
Foi ter tirado
Esse menino do seio da mãe
Para ser criado por uma estranha
Quando eu enfiei minha rola
Em você
Senti que tudo em mim
Se cortava e sangrava e gritava
Como se você tivesse cacos de vidro
Dentro de si mesma
Não precisa se desculpar
Foi assim
Que eu vi.